Beijos de Truly
Luís Martins publicara em O Estado de S. Paulo crônica escrita em Paris, na qual revela encantamento com a cantora Suzy Solidor, homenageada na Maison de l’Amérique Latine. Esta carta revela que o texto de Martins despertou ciúmes em sua mulher, a pintora Tarsila do Amaral, que ficara em São Paulo.
São Paulo, 20 de dezembro de 1950
Querido Luís,
Já tinha passado vários dias sem escrever (por muito trabalho) quando recebi, no dia 13, sua carta com a crônica que levei ao Estado. O Julinho [Júlio de Mesquita Neto] vai publicar na página de arte. (Não sei se saiu, vou verificar.) Pois a tal crônica, na qual você falava de “um dos instantes mais felizes que vivi em Paris”, me deixou tristíssima muitos dias. Escrevi várias cartas e as rasguei. Escrevi mais uma que talvez eu mostre a você e que não mando. Depois resolvi esquecer a Maison de l’Amérique Latine e cuidar da minha exposição. Ontem foi um dia triunfal para mim.[1] O imenso salão do museu estava repleto, apesar da pouca publicidade. Muitas vendas. Muitos autógrafos nos catálogos que ficaram lindos, assim como os convites com desenhos meus. Apresentei-me bem vestida e de chapéu, motivo pelo qual o nosso querido Luís Coelho disse que eu não era “dereita”, porque esperei você ir-se embora para me embelezar.
Recebi cestas de flores. Depois de terminado, Luís Coelho me ofereceu uma recepção para inaugurar o apartamento, que está lindo.
O Tamagni[2] foi emissário nosso para pedir ao Lourival [Gomes Machado] para prolongar a exposição por 15 dias e esperar você. Lourival, que foi um presidente de museu ótimo, concordou, pedindo que animássemos o museu, que não deixássemos o interesse morrer.
O João Leite me trouxe para casa às duas da manhã. Arnaldo e Raquel [Pedroso d’Horta] e Augusto Rodrigues ficaram no apartamento de Luís Coelho, provavelmente até de manhã.
Rino Levi marcou para o dia 9 de janeiro uma homenagem a mim. Um coquetel à primeira presidente do Clube dos Artistas,[3] [Reinaldo] Bairão e Darci Penteado queriam fazer um coquetel no vernissage, mas eu pedi que ficasse para o encerramento.
Espero que a guerra[4] não seja logo e que você aproveite sua viagem sem voltar com precipitação. Estamos à espera do Sergio. Hoje é 20. Ele deve estar no Rio. Tenho sido alvo de tanto carinho e tanta consideração que eu mesma ignorava ser assim tão querida. Muitos artigos já saíram sobre a exposição. Termino. Aqui ficamos com muitas saudades esperando sua volta. Na fazenda tudo bem. Abraços e beijos de
Truly
Ana Luisa Martins. Aí vai meu coração: cartas de Tarsila do Amaral e Anna Maria Martins para Luís Martins. São Paulo: Planeta do Brasil, 2003, pp. 68-69.
[1] N.S.: Tarsila se refere à exposição Tarsila 1918-1950, primeira grande retrospectiva de sua obra, organizada por Sérgio Milliet no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
[2] N.S.: Carlo Tamagni (1900-1966), empresário e colecionar que contribuiu para a construção do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Seu acervo, doado em 1967, constitui a coleção-base do Museu.
[3] N.E.: Refere-se ao famoso “clubinho”, localizado no subsolo do Instituto dos Arquitetos do Brasil, na rua Bento Freitas, em São Paulo, frequentado por artistas, intelectuais e prostitutas da região.
[4] N.E.: Com a entrada dos Estados Unidos e da China nos combates entre Coreia do Sul e Coreia do Norte, tinha-se praticamente como certa a deflagração de uma nova guerra mundial. Os ânimos só se acalmaram em março do ano seguinte, com o afastamento do general MacArthur pelo presidente Truman.