Vitória, 26 [de] dezembro [de] 1972

Otto,

Procurei durante cinco dias falar com você no Rio, sem conseguir. É que eu soubera, pela Maria Lúcia Rangel, que o Jornal do Brasil pretendia fazer uma página pelos meus sessenta anos, inclusive encomendando artigos a Joel [Silveira], Fernando [Sabino], Carlos [Drummond de Andrade] etc. Em Cachoeiro, eu soube que estavam lá no momento dois repórteres trabalhando no assunto.

Devo dizer a você que acho sumamente desagradável isso. A primeira razão, muito frívola (mas, afinal, gravíssima) é que o alarde em torno da idade só causa danos e prejuízos. Dispenso-me de explicar melhor isto.

Mas o principal é que me chateia especialmente partir essa homenagem, parcialmente fúnebre, do JB. O JB, como todo jornal, é uma instituição públi­ca, impossível de ignorar. Você pode fazer as maiores restrições à polícia civil, nem por isso poderá ignorar os bons serviços do tira que prende um assassino. Não pretendo ser contra o JB e, como todo mundo, tenho coexistido com ele e inclusive aproveitado a boa vontade dos amigos para notas de livros etc. Não sou radical nem apaixonado. As condições, porém, em que fui expelido do JB, são inesquecíveis. Uma crônica, feita a pedido do Rodrigo Melo Franco, foi cortada pelo Bernard [Campos]. Quis saber por quê, era porque ele não podia admitir ataque à Hanna[1] no jornal. Atenuei a crônica, retirando, inclusive, o nome da Hanna, mas fui avisado que nem assim. Note-se que ninguém me telefonou para explicar isso ou aquilo – eu é que telefonei duas vezes para saber por que não saíra a crônica. O Bernard proibiu porque ele é relações públicas do [Azevedo] Antunes, que está ligado à Hanna. Mandei uma carta ao jornal lamentando essa proibição de discutir sequer um assunto em que havia opiniões de Rodrigo, Milton Campos, Afonso Arinos, Miran Latif etc., só porque isso poderia aborrecer uma empresa estrangeira. Houve uma reunião lá, e não me esquecerei jamais a cara do Bernard e do [Nascimento] Brito, secos para [que] eu saísse do jornal, e a esquivança natural, mas em todo caso melancólica do […].[2]

Saí humilhado, menos como pessoa que como jornalista. Nem sequer briguei. Isso não quer dizer que eu me proíba de amanhã tocar no assunto, publicando a crônica cortada (guardei as provas) e a minha carta de demissão. Sei que, menos que motivo, o caso foi pretexto para minha demissão; o Brito enjoara de dizer que eu devia fazer só crônicas líricas, sem palpites políticos nem econômicos. Tenho pensado sinceramente em fazer um livrinho mais ou menos assim – Carta aos estudantes de jornalismo – contando sem exageros, mas sem pena, algumas coisas que os rapazes e as moças estudantes de comunicação não costumam aprender na escola, e referidos casos meus e dos outros.

Vou recomeçar a trabalhar em O Globo, jornal cuja filosofia política não discuto, mas que sempre me tratou com lealdade. Eis um argumento a mais: para que o JB vai fazer propaganda de um cara que vai escrever no Globo? (Por ocasião de meu aniversário, minhas correspondências já terão começado a aparecer.)

É tempo de suspender a coisa, e apelo para sua amizade e para o seu bom-senso. Não quero que você se sinta responsável depois por qualquer coisa que eu vier a fazer em represália.

Um abraço do

Rubem Braga

P.S.: Acho escrotíssima a escolha do pretexto, revelando a mais sintomática insensibilidade.

Arquivo Otto Lara Resende / Acervo IMS.

[1] N.S.: Hanna Mining Co., empresa norte-americana de exportação de minério de ferro que se instalou no Brasil em 1957, quando comprou a maioria das ações da Saint Mining Co., empresa britânica que se dedicava à extração de ouro em Minas Gerais.
[2] N.S.: Frase inacabada no original.