Berlim, 28 de setembro de 1936

Lucília

Esta minha viagem de três meses à Europa foi mais especialmente para decidir de uma vez a minha vida íntima, do que propriamente desempenhá-la como delegado dos Congressos Internacionais e Educação Musical.

Tenho a certeza que não será nenhuma surpresa esta notícia tão decisiva que segue abaixo.

Há muito tempo venho consultando a mim mesmo esta resolução.

As razões são poucas, mas justas.

Não posso viver em companhia de nenhuma pessoa pela qual eu me sinta inteiramente estranho, isolado, constrangido, enfim sem mais nenhuma afeição, a não ser uma certa gratidão de ter se conservado fiel durante muitos anos em minha companhia.

Proclamo a nossa absoluta liberdade.

Porém com a consciência tranquila que tudo fiz para que não lhe falte nada. Foi pelo meu único intermédio que conseguiu os ótimos cargos que ocupa e que, por isso mesmo, ganha mais do que eu e tem melhores garantias de vitalidade.

Desejaria que nunca tivesse rancor de mim nem de ninguém, para que com calma e resignação verificasse que a nossa situação não poderia terminar senão desta forma.

Por conseguinte, ao voltar não irei mais para a casa da rua Dídimo 10,[1] que desde esta data considero-a unicamente sob a sua responsabilidade.

Naturalmente devo concorrer com todas as despesas necessárias provocadas por esta mudança de nossa vida.

Mandarei um portador de confiança buscar tudo aquilo que me pertence pessoalmente e vou morar sozinho com minha mãe. Desejando muitas felicidades pela sua nova vida.

Villa-Lobos

Acervo Museu Villa-Lobos

[1] N.S.: Transversal  à rua do Senado, no centro do Rio de Janeiro,  a casa onde habitou o casal Villa-Lobos foi frequentada por artistas e poetas, entre os quais Di Cavalcanti e Manuel Bandeira.