Ceará, 20 de abril de 1859
Meu bom pai e amigo,
Escrevi-lhe por este paquete, mas com data bem atrasada porque as mandei lançar no correio na véspera da minha partida para Aratanha, onde fui agradecer à família Costa o obséquio que por nossa conta prestou ao pobre Assis. Agora, isto é, neste mesmo momento, recebo a sua de 6 de abril, a que respondo um pouco às carreiras.
O negócio dos camelos não o soube somente pela sua carta, meia dúzia de pessoas me escreveram a esse respeito, prova de que realmente eles entendem que o negócio me diz respeito. Ainda mais. Esse ofício foi publicado, mas truncado, calando-se a parte que se referia à morte do animal, prova de que o senhor ministro entendeu ele próprio que havia desaforo, pois que não consentiu na sua publicação. Ainda mais. Alega-se como um serviço prestado a mim o ter-se abafado esse negócio. Vê vossa mercê que há nisso tanto desaforo como cobardia.
O capitão os requisitou para os estudar, ver as matérias mais próprias de seu sustento, meio de os tratar nas enfermidades etc. Nada tive com isso; enquanto ele, podia e devia tomar a parte que tomou. Fomos neles daqui a Pacatuba (cinco léguas), mas têm o andar incômodo – deixei-os. Eles com os guias chegaram a Baturité e voltaram, sem novidade. Meses depois foram enviados de novo com carga e foi então que se quebrou a perna a um. O presidente defendeu o seu ato perante o ministro, e eis tudo. Dá o cavaco porque seria leviandade do ministro falar em mim, quando não tinha que ver com isso.
Agora nova complicação. O presidente, com quem parecia que podíamos viver na melhor inteligência, fez-me um desaforo, quando eu menos esperava. Era uma tolice dele, nem eu me teria importado com isso, se ele tivesse ao menos o maquiavelismo do Ferraz, não falar em mim, em causa em que eu nada tinha que ver.
Escrevi-lhe um ofício, que o deve ter consolado, e o negócio foi afeto ao governo.
Decidam eles como quiserem, que eu suporto tudo, exceto que me cheire a desaforo.
Quanto ao meu lugar da secretaria, eu tinha-me procurado entender com sua majestade antes da minha vinda.
Não dei demissão, porque se entendeu não ser então conveniente. Sou obrigado ao imperador, e não queria que ele se persuadisse que há nesse negócio mais despeito do que sentimento de dignidade; mas o que é fato é que eu considero vago esse lugar, e não vejo possibilidade, ou antes não me persuado que haja consideração alguma de interesse, posição, futuro, ou quer que seja, que me obrigue a servir debaixo das ordens de um Peçanha.
Sua majestade não terá de se zangar com isso, porque tão longe está da minha intenção queixar-me, como pedir. Quanto a esses meus pequenos interesses, faça vosmecê o que entender melhor, que tudo será bom.
O livreiro da Europa diz-me que eu tenho por lá uns 700$000 da venda de livros e pede-me para fazer uma edição europeia das minhas obras, correndo ele com as despesas, e repartindo comigo os lucros.
Disse-lhe que sim.
Lembranças à Olímpia,[1] a quem não posso escrever outra vez. Vou bom dos olhos, e no mais sem novidades. O Gabaglia[2] chegou da serra Grande e aqui se demora apenas quatro dias.
Pode ajustar contas com o César, do tempo do [Guilherme Schüch de] Capanema, isto é, receber a conta antiga que haja em ser. Não sei se lhe respondi também pelo Laemmert, nem se este me está devendo ainda.
Anais da Biblioteca Nacional: correspondência ativa de Gonçalves Dias. Rio de Janeiro: Divisão de Publicações e Divulgação de Biblioteca Nacional, 1971, pp. 254-256.
[1] N.S.: Olímpia da Costa, mulher de Gonçalves Dias.
[2] N.S.: Giacomo Raja Gabaglia (1826-1872), engenheiro naval, tornou-se amigo do poeta no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Na comissão organizada por esse instituto, Gabaglia assumiu a Seção Astronômica e Geográfica.