1893-04-04

Meu querido Taunay,

Parece-me que minhas cartas, durantes a crise de mudança do Transvaal para Cape Town, foram por demais negras e africanas: porque, a 16 de fevereiro, escreveu: “Libertando-se da opressão do continente negro e mártir, do qual não tens colhido senão combates estéreis e angustiosas decepções”.

O caso agora não é de Homero, meu querido Taunay, é de Ésquilo. Bem vê que seu mestre pai tinha razão: é preciso ter sempre diante dos olhos um heleno. Em primeiro lugar, “sofrer de um inimigo não é desonra”.

Ora, eu vim para a África não para caçar leões, como um lord, mas sim para combater a escravidão e o monopólio territorial. Desembarquei em Port Said a 2 de abril de 1892 e logo dei o primeiro combate. Claro está que não narro as vitórias por horror ao quixotismo; mas estou contente comigo mesmo e fico em dúvida se devo morrer na África ou no Brasil. Por outro lado, o divino Ésquilo diz também: “Aprendi a detestar a traição; é de todos os crimes o que eu mais abomino”.

O que me retém na África é exatamente o horror à traição e à ingratidão. Agora um detalhe tolstoico para consolar-te quanto ao bem-estar do velho André. Encontrei, em Madeira House, um discípulo de geodésica e outro de cálculo diferencial e integral – Simon Lyon Goldman, ajudante fotógrafo do observatório; empregado exatamente em fotografar o hemisfério do Sul; obra predileta do nosso santo d. Pedro II, a qual ele sacrificou vinte contos de réis do seu pobríssimo bolsinho. Já fui apresentado ao diretor dr. David Gill, célebre pelos seus trabalhos sobre paralaxes.

Já dei 39 lições de cálculo. Não esquecer que são tolstoicas e absolutamente gratuitas. Evito assim uma das calúnias contra o divino Sócrates. Compreender que sua convivência astronômica enche-me as horas do dia e da noite e distrai-me da horrorosa obsessão das bancarrotas e das revoluções.

O nosso Nabuco ficará encantado quando percorrer o meu diário de 1893. Principia com o esquema das montanhas em torno de Cape Town para marcar as posições de nascer e ocaso da Lua, do Sol, Júpiter, Marte etc.

No domingo, 22 janeiro, vêm os satélites de Júpiter, como os observei com o foto-heliógrafo, isto é, com o grande telescópio, empregado em fotografar os astros. Na mesma página está o aspecto da bela nebulosa de Órion, tomado com o mesmo instrumento. A 23 janeiro dou o esquema da bela conjunção de Marte e Júpiter em Peixes. Não há dia sem a estética do belo céu austral.

Concluirás, meu Taunay, que o André tendo dado 51 anos de vida ao Brasil (13 janeiro de 1838 a 17 novembro de 1889) deve dar o resto ao continente de seus pré-avós africanos.

Sempre muito muito do coração.

André Rebouças