[Bordo do Habsburg], 26 de maio [de 1876], às cinco e meia da tarde

Aí vem, querida noiva, tão desconsolada e saudosa como as de anteontem e ontem, a noite de hoje. É a hora em que eu me enchia de alvoroço, preparando-me para ver-te. Agora quem me dera um olhar teu, aquela meiguice do teu sorriso, a doçura da tua submissão aos meus desejos, a afetuosa severidade, tão cheia de amor, de can­didez e de pureza, com que corrigias os meus caprichos, e aquela bondade angélica em emendar, com um perdão carinhoso e risonho, as minhas faltas? Quem me dera a ti, noiva do meu coração, por um instante? E hei de estar reduzido a ver-te na imagem insensível do teu retrato, a apertar-te ao seio na madeixa cortada dos teus cabelos, a ouvir-te a voz no interior silencioso de minha alma, a sonhar-te, en­ganado, nas criações imaginárias do meu pensamento? Sem ter-te ao pé? Sem apertar-te as mãos nas minhas? Sem sentir-te o hálito? Sem escutar a melodia amorosa de tuas palavras?…

Vê, minha Maria Augusta, que muito poderosa deve ser a lei dos nossos deveres, para que eu por ela me imponha a mim mesmo este sacrifício intolerável! Ah, que se tu não fosses já um encantador modelo da mais precoce e admirável dedicação a esse sentimento, bem poderias ver neste exemplo os direitos que ele tem sobre a nossa vida inteira! Mas não; porque aqui a lição vem de ti para mim, e foi a pureza sem manchas de tua alma e do teu amor que me inspirou a coragem desta aventura, que Deus há de abençoar, querida noiva! Breve, decerto, nos abraçaremos, e na exultação infinita, inexprimível, nas lágrimas venturosas desse dia teremos a recompensa destas an­gústias de uma separação que nos despedaça agora.

Querida Maria Augusta, minha noiva, eu te amo muito, muito, ilimitadamente, indizivelmente, inexcedivelmente, de todo o meu coração, de toda a minha alma, de toda a minha vida. Teu nome, noiva formosa e pura, é o nome de minha mãe. Como ela iluminou os primeiros anos de minha vida, tu serás a estrela da que me resta! Como ela foi o anjo da guarda do meu passado, tu serás o do meu futuro, e já és o do meu presente! Os sentimentos que ela semeou em mim, tu os colherás! Querida noiva, o nome de minha mãe foi Deus quem o escolheu, como foi decerto Ele também que te quis minha esposa! Noiva de minha alma, o nome de minha Mãe, que tu tens, é a bênção dela ao nosso amor, a proteção do céu à nossa aliança, a garantia das esperanças de nós dois!

Querida noiva, adeus. Dize a nossos pais, a nossos irmãos, Adelaide, Dobbert e Cazuza, que eu associo sempre à tua lembran­ça a lembrança deles. Dize ao Souto que ele fará sempre parte desta família que Deus me constituiu agora em tua casa.

Um beijo ao Carlito,[1] a Anita, a Mimita,[2] e muitos, muitos a ti, do

teu do coração

Rui

Rui Barbosa. Cartas à noiva. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982, pp. 67-68.

[1] N.E.: Carlos Viana Bandeira, irmão de Maria Augusta.
[2] N.S.: Anita e Mimita são filhas de Adelaide.