S.l., 23 de outubro de 1964
Meu caro Radamés,
Antes de Retratos,[1] eu vivia reclamando: “É preciso ensaiar…”. E a coisa ficava por aí: ensaios e mais ensaios.
Hoje minha cantilena é outra: “Mais do que ensaiar, é necessário estudar!”. E estou estudando. Meus rapazes também (o pandeirista já não fala em paradas: “Seu Jacob! O senhor aí quer uma fermata? Avise-me, também, se quer adagio, moderato ou vivace!…” Veja, Radamés, o que você arrumou! É o fim do mundo…
Retratos: valeu estudar e ficar fechado dentro de casa, durante todo o carnaval de [19]64, devorando e autopsiando os mínimos detalhes da obra, procurando descobrir a inspiração do autor no emaranhado de notas, linhas e espaços e, assim, não desmerecer a confiança que em mim depositou, em honraria pródiga demais para um tocador de chorinhos.
Mas o prêmio de todo esse esforço foi maior que todos os aplausos recebidos em trinta anos: foi o seu sorriso de satisfação! Este é que eu queria, que me faltava e que, secretamente, eu ambicionava há muitos anos. Não depois de um chorinho qualquer mas, sim, em função de algo mais sério. Um sorriso bem demorado, em silêncio, olhos brilhando, tudo significando aprovação e sensação de desafogo por não haver se enganado. Valeu! Ora se valeu!
E se até hoje existia um Jacob feito exclusivamente à custa de seu próprio esforço, d’agora em diante há outro, feito por você, pelo seu estímulo, pela sua confiança e pelo talento que você nos oferece e que poucos aproveitam.
Meu bom Radamés: sinto-me com quinze anos de idade, comprando um bandolim de cuia e um método simplório na loja do Marani & Lo Turco, lá no Maranguape… Vou estudar bandolim!
Que Deus, no futuro, me proteja e Radamés não me desampare!
Obrigado, Mestre.
NB – Perdoe-me. Sei que você fica inibido com elogios de corpo presente. Daí esta carta. Sua modéstia julgará que é absurda, sem motivo e, até mesmo, ridícula. Mas eu tinha que escrevê-la para não estalar de um enfarte, tá?
Mando-lhe o dossiê para que, pelo menos, você o mostre à família. Devolva-mo, se puder, segunda-feira, no Cartório, lá pelas 15 horas, para irmos à Columbia (assuntos: São Paulo e Prêmio Nacional do Disco).
Instituto Jacob do Bandolim
[1] N.S.: Retratos é uma suíte em quatro movimentos, composta em 1956 por Radamés Gnattali, na qual são homenageadas algumas das mais expressivas personalidades da música popular brasileira: Ernesto Nazareth, Pixinguinha, Anacleto de Medeiros e Chiquinha Gonzaga.