Por vezes, alguns poetas são capazes de subverter a natureza inútil da poesia. Entre maio e outubro de 1975, Ferreira Gullar escreveu um de seus livros mais famosos, Poema sujo, durante seu exílio na Argentina, provocado pela ditadura militar. Se, para Gullar, a poesia nasce do espanto, foi com a mesma sensação que o público-leitor recebeu os mais de dois mil versos contidos no poema-livro. Tamanha comoção suscitou uma série de pedidos ao governo para que o autor voltasse ao Brasil. Ainda que as gestões não tenham dado resultado, Gullar voltou por conta própria, sentindo que Poema sujo havia criado condições de regresso. Nesta carta à escritora Olga Savary, morta em maio de 2020 vítima da Covid-19, Gullar elogia poemas da autora de Espelho provisório (1970) e Sumidouro (1977) e anuncia a realização de Poema sujo.

Buenos Aires, 28 de novembro de 1975

Olga:

Fiquei muito contente com tua carta, tua opinião sobre Dentro da noite [1]e a notícia de que tua poesia segue em frente. Gostei muito da tua tradução do poema de Neruda sobre o abjeto Franco[2] e também da ideia de publicá-lo. Um poema profético… O teu poema “Noturno”, saído na […]

Hélio Pellegrino, amigo de toda a vida de Otto Lara Resende, lhe envia, de Minas, esta carta escrita em dois momentos diferentes, que vão do desespero à esperança. A profunda angústia do primeiro resultaria em “Prosa de 24 de agosto de 1947”, transposição desta carta para versos, que podem ser vistos aqui na galeria de imagens.

Belo Horizonte, 24 de agosto de 1947

Meu querido Otto,

Estou a escrever-lhe num dos momentos mais definitivos da minha vida, num desses momentos em que o cálice das tristezas parece que vai transbordar. Hoje, Otto, neste agora, neste momento, a minha angústia é tamanha, o meu sofrimento é tão alto, que tudo o mais […]

Este poema-epístola enviado como carta por Paulo Leminski ao poeta e amigo Régis Bonvicino integra um conjunto que, para o último, não só confirma a ideia de dissolução de limites na poesia de Leminski, como também mostra seu processo criativo e sua concepção de poesia.

S.l., outubro de 1977

Paulo, pequeno irmão,
da pequena cidade de Curitiba,
ilha de certeza
cercada de pequenos problemas por todos os lados,
a Régis, grande irmão,
na grande cidade de São Paulo,
cercado por um grande problema

………….

pare de se lamentar
como uma velha carpideira siciliana

esse teu medo de […]

Poeta sexagenário em 1962, Carlos Drummond de Andrade publicou nesse ano o livro Lição de coisas, no qual pratica “a violação e a desintegração da palavra”, segundo escreveu o próprio poeta. Na obra, incluiu o soneto “Carta”, endereçado à mãe, Julieta Augusta Drummond de Andrade, com quem nunca deixou de se corresponder desde que veio morar no Rio de Janeiro em 1934. Também a ela dedicou o poema “Para sempre”, publicado nesse mesmo livro.

S.l., s.d.

Carta

Há muito tempo, sim, que não te escrevo.
Ficaram velhas todas as notícias.
Eu mesmo envelheci: Olha, em relevo,
estes sinais em mim, não das carícias

(tão leves) que fazias no meu rosto:
são golpes, são espinhos, são lembranças
da vida a teu menino, que ao sol-posto
perde […]