São Paulo, 31 de agosto de 1908

Euclides,

Enfim posso escrever-te, e mandar-te, dos Poemas e canções, os versos que não fazem parte da Rosa, rosa de amor… Quer dizer: o livro compor-se-á dessas 160 páginas de versos, que vão, e da Rosa, rosa de amor

Como te mandei dizer, o prefácio irá com numeração romana, e em tipo diferente. Uma parte da edição é em papel de linho português – e está bonita; outra, no papel de que te envio a amostra.

Agora, uma explicação:

Estava, dia a dia, à espera da tipografia, em cujas promessas sempre falhar me fiava; e por isso deixei, de dia para dia, o escrever-te em resposta aos teus três cartões, que recebi, e à carta ao Pujol, que ele logo que a recebeu me mandou mostrar. Pelas constantes promessas da tipografia, há mais de oito dias devia ter eu o exemplar parcial que só hoje te posso remeter.

– Chamo a tua atenção para o seguinte: não adotei no livro a ortografia da Academia por inteiro. Adotei algumas de suas regras, e não outras, como explicarei em nota acrescentada ao livro.

Tenho esperança de que o livro te satisfará. Chamo a tua atenção para o pequeno poema “Fugindo ao cativeiro”,[1] que se funda em dois episódios históricos, e no qual tenho grande confiança. Deu-se em 1887, na Serra de Santos, o combate entre a escolta e um dos negros fugidos, que resistiu, à foice – e morreu batendo-se, e matando um soldado. O fugitivo chama-se Pio; e, pela autópsia, se verificou que não ingeria alimento algum havia três dias… Não há, portanto, fantasia naquele poemeto, que será objeto de uma ; isto é, não há fantasia quanto ao assunto.

Do amigo velho

Vicente


 

Coleção Giuseppe Baccaro / IMS


[1] […]

“Destaca-se do grupo um fugitivo. Lança
Em torno um longo olhar tranquilo, de esperança,
E diz aos companheiros:

‘Fugi, correi, saltai pelos despenhadeiros;
A várzea está lá em baixo, o Jabaquara é perto…
Deixai-me aqui sozinho.
Eu vou morrer, decerto…
Vou morrer combatendo e trancando o caminho.A morte assim me agrada:
Eu tinha de voltar p’ra conservar-me vivo…
E é melhor acabar na ponta de uma espada
Do que viver cativo’”.

 

Manuel Bandeira, organizador da Antologia dos poetas brasileiros da fase parnasiana, identificou “força épica” em “Fugindo ao cativeiro”. Para ele, o livro Poemas e canções “veio revelar um quarto mestre em nada inferior aos outros, e a certos aspectos mesmo superior – mais vário, mais completo, mais natural, mais comovido”.