Creio, meu bem, que chegou finalmente o momento de dizermos adeus. Tentei todas as acomodações possíveis. Não posso ser acusado de não ter tido para contigo boa vontade e ca­rinho. Não posso admitir que se diga por aí, à boca pequena, que a culpa foi minha, que não tive compreensão da realidade. Os fatos são os fatos, e contra eles não podemos lutar. Não se pode dizer que não nos demos bem, é verdade. Não posso eu dizer que não devo a teu calor algumas das melhores horas de minha vida, de descanso, de alegria, até mesmo de poético en­levo, por que não. Naquele tempo em que ainda eras pura, e em que tuas exigências de di­nheiro, sem nunca ser modestas, ainda não atribulavam meu orçamento, pude manter-te com decência, não faltando jamais a nossos encon­tros. (Lembro-me agora, confesso, com indis­farçável ternura, esses pontos amoráveis de nos­sos antigos encontros, na esquina de Nilo Peçanha com a rua do México, na rua Senador Dan­tas, em Copacabana etc. etc.).

Quando foi mesmo que te encontrei pela primeira vez? Não posso precisá-lo, tantos anos já passaram, mas sei que foi amor à primeira vista, um amor que infelizmente, por tua causa, agora se interrompe.

Há já uns dois que vinha desconfiando de ti. Fingia que não o notava apenas por covardia, receoso de causar escândalo. Já andavas falsa, dissimulada. Àquela noite, na boate, custou-me engolir-te. Só agora vejo que nada ga­nhei com essa complacência senão muita dor de cabeça. Só agora vejo que só tinha a ganhar se houvesse te deixado quando desconfiei que já estavas misturada a más companhias, e que já não te portavas bem com quem por ti muitas vezes perdeu a cabeça. Por ti, quase fui preso; por ti, cheguei a brigar; por ti, fiz os piores pa­péis; por ti, perdi noites de sono; por ti, pedi dinheiro emprestado; por ti, prejudiquei minha saúde. No entanto, de que valeram tantos sacrifícios? Terias a coragem de não reconhecer que és falsa? Poderias negar que me levarias a uma situação econômica insustentável? Hoje, só um insensato deixaria de ver que as nossas relações não podem continuar mais. Resta-me um pou­co de equilíbrio e de amor próprio. Falta-me dinheiro para sustentar-te. Ah, se fosses pelo menos fiel, eu seria capaz de um esforço su­premo. Mas como estás, não, meu bem. Assim não é possível. Não há outro jeito senão uma separação que, de minha parte, deixa muitas saudades.

P. M. C.

Crônica de Paulo Mendes Campos publicada no Diário Carioca, Rio de Janeiro, 29/10/1953. Arquivo Paulo Mendes Campos / Acervo IMS.