Detalhes da Carta

Em 1975, a América Latina respirava ditaduras. Nessa altura, Augusto Boal já havia sido preso e torturado, e vivia em exílio na Argentina. Na Itália, Linda Bimbi organizava mais uma seção do Tribunal Russell cujo objetivo era pressionar governos militares por meio da denúncia de perseguidos políticos. Nesta carta a Linda, Boal intercede para que lhe concedam um novo passaporte, já que o seu tramitava na Polícia Federal do Brasil desde 1973, sem qualquer avanço. O Tribunal Russell aconteceria em Roma, de 10 a 17 de janeiro de 1976, com a presença de, entre outros, Julio Cortázar e Gabriel García Márquez, mas sem Boal que, embora tenha aceitado ser testemunha, preferiu não sair do país com risco de ser preso outra vez.

15 de setembro de 1975

Prezada Linda,
espero que você hoje já tenha recebido uma boa quantidade de material através da nossa amiga Marina. Por favor, leia e me informe sobre a sua possível utilidade; procure me informar também sobre outro material específico que possa ser útil. Eu continuarei tratando de conseguir tudo que for possível.

Em relação à sua pergunta, ou melhor, ao convite para participar como testemunha do Tribunal Russell, é evidente que aceito. Creio que é um dever de todos nós brasileiros que estamos no Exterior denunciar sempre que possível todos os crimes da ditadura no poder. Aceito com muita satisfação, com muita alegria.

Só tenho o pequeno problema de não ter passaporte, no momento; mas isso não será nenhum obstáculo, como você mesma disse. Mas quero pedir um favor, se for possível: poderia o Tribunal influir para que eu obtivesse um passaporte português? Eu sou filho de pai e mãe portugueses. E, segundo a lei portuguesa (e o mesmo ocorre com a maioria dos países europeus, ao contrário dos americanos), filho de português é considerado também como sendo portugues. Portanto, eu tenho o direito de ser considerado português e, portanto, direito ao passaporte. Mas, infelizmente, isso não pode ser resolvido aqui, no Consulado de Portugal; terá que ser resolvido em Lisboa, no Ministério. Pergunto se os bons contatos e boas amizades do TBR poderiam influir para que o Ministério autorizasse o consulado aqui a me dar o tão necessário passaporte. Seria maravilhoso se isso fosse possível. Eu vivo viajando por toda a América Latina, dando aulas, cursos e “talleres” de teatro popular. E já faz mais de três meses que pedi o passaporte ao consulado brasileiro e até agora eles não me deram. A perspectiva de ficar amarrado aqui à Argentina é fogo! Por favor, veja isso para mim.

Esta semana mesmo redigirei o resumo da minha possível participação. Em poucos dias mais você receberá uma cópia.

Um grande abraço e não deixe de escrever.

Augusto Boal

 

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A carta apresentada faz parte da correspondencia entre Linda Bimbi e Augusto Boal e está sob a guarda da Fondazione Basso. Agradecemos entusiasticamente a colaboração do Instituto Augusto Boal, na figura da Cecília Boal.