Rio [de Janeiro], 15 de outubro de 1979

Ilustríssimo senhor
Conselheiro Gilberto Gil
Conselho de Cultura da Bahia
Senhor conselheiro,

Uma das lições de dignidade que me ensinou meu marido, Jacob Pich Bittencourt, foi não silenciar diante das inverdades. E vossa senhoria, na revista Status de outubro de 1979, nº 63, não fez outra coisa ao atacar a memória do escrivão Jacob Pich Bittencourt e do músico Jacob do Bandolim – razão, enfim, desta carta.

O escrivão criminal do Tribunal de Justiça, Jacob Pich Bittencourt, jamais foi chefe de Polícia, como inveridicamente vossa senhoria afirmou em sua entrevista. E se o tivesse sido, saiba que exerceria o cargo com o mesmo zelo e honestidade com que tocava seu bandolim. Dessa honestidade faz prova os bens materiais que me deixou: uma bem magra pensão como Escrivão Juramentado que foi, além de parcos direitos autorais por uma obra grandiosa que, como membro do Conselho de Cultura da Bahia, vossa senhoria deve fartamente conhecer.

Como escrivão, Jacob Pich Bittencourt cumpria exclusivamente as funções que lhe cabiam por Lei, ou seja, tomar depoimentos ali no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na rua Dom Manoel. Às vezes extrapolava sim as suas funções, se impondo uma justiça muito particular, como por exemplo tentar esclarecer as reais circunstâncias da morte de um de seus maiores ídolos, o pianista Ernesto Nazareth. Era a justiça de seu coração que o levava a expedir um mandado aos seus amigos mais queridos para que fossem tomar café ou autografar um disco que apreciasse – como pode testemunhar o grande Luiz Vieira. E, para seu conhecimento, ele foi conduzido ao concurso para escrevente juramentado pelas mãos de Donga, que era Oficial de Justiça – função também dignamente exercida pelo violinista Benedito Cesar Faria.

Acho, senhor conselheiro, que uma das atribuições de vossa senhoria como ilustre membro do Conselho de Cultura da Bahia, será lutar exatamente contra esse tipo de acusação que muito se assemelha à condenável prática do “dedurismo”, e justamente contra uma pessoa que não está mais entre nós para defender-se.

Meu Jacob do Bandolim foi apenas um torturador de emoções. E gostaria que vossa senhoria não deslustrasse a memória de um músico que honrou a sua profissão, de um escrivão que honrou a Justiça e a dignificou com uma impecável folha de serviços.

E se vossa senhoria tiver alguma dúvida a respeito, sugiro que se dirija a algumas dessas pessoas para obter melhores esclarecimentos sobre meu marido: Elizeth Cardoso, Sérgio Cabral, Hermínio Bello de Carvalho, Conjunto “Época de Ouro”, Paulinho da Viola, criminalista doutor Alfredo Tranjan, desembargador Valporê de Castro Caiado, juiz doutor Alberto Garcia, e muitos outros advogados, promotores, e juízes que com ele trabalharam.

Com meus respeitos,
Adylia Bittencourt

Acervo Instituto Jacob do Bandolim