São Paulo, 1º de outubro de [18]87

Meu amor,

Foi agora mesmo, lendo os teus adoráveis versos – “A alma e o sol” – na Semana,[1] que me veio a lembrança de ainda uma vez te escrever, pérfido, estranhando o teu silêncio. Por que não me escreves? Que mal te fiz eu?

Já não quero uma carta longa, tão longa que dentro dela possa vir todo o teu grande coração. Peço-te um bilhete, uma linha, meia dúzia de letras. Custar-te-á muito o sacrifício?

São Paulo me prende, chama-me a Engenhoca.[2] E, sem poder viver feliz em São Paulo, sem poder voar à Engenhoca para caber em teus braços, vivo triste como o velho Campos, pai da Nonóca, carrancudo como o Augusto Bastos (como vai este sujeito?) e acabrunhado como… como o diabo!

Espero, portanto, que venhas em meu auxílio. Pois que não posso ver-te e ver a Engenhoca, venham as tuas letras amadíssimas falar-me do céu da Engenhoca, e das estrelas da Engenhoca, e das rosas da Engenhoca, e principalmente de uma bela casinha da Engenhoca, onde se toma um café saborosíssimo e onde abre as asas rutilantes a inspiração do meu Alberto, tão grande poeta e tão pouco meu amigo.

Se me não escreveres desta vez, adeus, Academia! adeus, Posteridade, e amigos, e amores, e versos e credores!… Mato-me! Daí, desgraçado! Desse delicioso canto da formosa Niterói, levanta os olhos, levanta-os setecentos e tantos metros acima de ti mesmo, e vê, sinistramente aparecendo entre a neblina, esta cena terrível: um poeta desesperado, uma figura nariguda e magra, de navalha em punho, pronto a cortar a carótida…

– Oh! orribile, ma troppo orribile, ma immensamente orribile! – como troveja a voz de Emanuel no 1º ato do Hamlet.[3]

Reflete: queres que eu morra?

Olavo

Arquivo Olavo Bilac/ Academia Brasileira de Letras

[1] N.S.: Periódico do jornalista e escritor Valentim Magalhães, no qual Amélia publicou, em 24 de setembro de 1887, o poema referido na linha anterior. Tudo indica que, para atender ao desejo de Bilac, que, em carta,  lhe pede para não tornar públicos seus versos, a poetisa publica “A alma e o sol” assinado por seu irmão, Alberto de Oliveira.
[2] N.S.: O Solar da Engenhoca, arrabalde de Niterói, era a casa onde Alberto de Oliveira morava com seus pais e irmãos. Foi frequentada, na década de 1880, pelos mais ilustres escritores brasileiros, entre os quais Olavo Bilac, Raul Pompeia e Raimundo Correia.
[3] N.S.: Horror, horror, cúmulo de horror, fala de Hamlet ao ver o fantasma do pai na cena 5, Ato I da peça de Shakespeare, encenada em São Paulo em 1887, e protagonizada pelo ator Giovanni Emanuel.