Rio [de Janeiro], 10 de março de 1963
Couto
Seu afilhado não existe mais. Escrevo-lhe este bilhete nas vésperas dos seus 65 anos, quando eu e ele contávamos telefonar-lhe com o nosso nome no plural, só para lhe dar essa notícia, impossível de confiar ao telégrafo.
Ele morreu heroicamente, como homem: saltava ontem à noite do bonde com a namorada, eram dez e meia da noite, já vinha para casa. Três assaltantes queriam dinheiro. Não tinha. Quiseram a moça, negou, e como ele estava com a perna engessada (fraturara o pé no sítio) atiraram-lhe, ela crê, que de espoleta. Ele reagiu, desarmado. Um deles deu-lhe um tiro no estômago, bala calibre 22, o tiro atingiu a artéria ilíaca, ele perdeu logo os sentidos e morreu antes de chegar ao Pronto Socorro. Eram dez e meia da noite, perto do ponto da estação de bondes do Curvelo, no começo da rua Santa Cristina (do outro lado morou um dia o poeta Manuel).[1]
O enterro foi hoje às cinco horas. Escrevo-lhe à noite. Ele tinha 18 anos. Acabara de ser aprovado no vestibular de Direito, no de Ciências Sociais – e, na hesitação (aparente) que você conheceu por certo, ia fazer o de Administração da Fundação Getúlio Vargas. Para isso ficou aqui, enquanto íamos sábado ao sítio. Ao contrário do que dizia o Capistrano[2] quando a filha entrou para o convento – “consolação não quero nem preciso” – quero e preciso de consolação. Mas onde achá-la que baste a mim e à Nazareth?
Comunique à madrinha dele.
E nos abençoe.
Seu compadre a amigo
Odylo
Arquivo-Museu de Literatura Fundação Casa de Rui Barbosa
[1] N.S.: Entre 1920 e 1933, Manuel Bandeira morou na então rua do Curvelo, hoje rua Dias de Barros, pertinho do Largo do Curvelo.
[2] N.S.: João Capistrano Honório de Abreu (1853-1927), historiador, cuja filha, Honorina de Abreu, deixou-o desolado ao entrar para o Convento de Santa Teresa, da Ordem das Carmelitas Descalças.