“Não há carta de rompimento que não seja ridícula”, escreveu o escritor argentino Ricardo Piglia em seu Diários de Emílio Renzi, deixando sem saída os que acreditavam só se expor ao risível em situação inversa, para lembrar Fernando Pessoa no famosíssimo verso: “Todas as cartas de amor são ridículas”.

A afirmação de Piglia foi feita no momento em que ele se debatia para pôr o ponto final no relacionamento com Helena, a quem, de alguma maneira, ainda se sentia ligado. Ao mesmo tempo que pensava em romper o namoro, certamente lhe vinham à cabeça os restos de amor que os uniam. Se os destacasse, dando lugar a possível nostalgia, se arriscava a resvalar para o sentimentalismo e, então o ridículo – assim entendo sua afirmação.

Amor e desamor são temas que o Correio IMS não ignorou nos seus quase três anos de existência, tempo suficiente para observar que, depois da poesia – aí incluindo as letras de canções –, talvez sejam as cartas um dos mais fecundos instrumentos de expressão do sentimento amoroso. No entanto, aqui se trata do inverso, e, antes mesmo de revisitarmos as cartas de desamor publicadas neste site, vale lembrar a histórica carta de rompimento com que o escritor Graça Aranha, em 1924, abandonou a Academia Brasileira de Letras.

Depois de ter feito a conferência “O espírito moderno”, responsabilizando aquela instituição por tolher a livre inspiração e o jovem talento, o autor de Canaã enviou esta carta ao presidente, desligando-se de vez da Casa de Machado de Assis: “Se fui incoerente aí entrando e permanecendo, separo-me da Academia pela coerência”.

Não se pode falar de rompimento sem mencionar a carta-testamento de Getúlio Vargas, de que consta a antológica frase: “Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História”.

Saindo do campo histórico para o amoroso, ou (des)amoroso, constata-se que tão livre do ridículo foi o bilhete que Flaubert escreveu em 6 de março de 1855 à sua amante Louise Colet, quando se deu conta de que não a amava mais. Numa tradução livre, ficaria assim:

Soube que você se deu o trabalho de vir três vezes à minha casa, ontem à noite.
Eu não estava. E, por temer que tamanha persistência possa provocar humilhações da minha parte, devo avisá-la: eu nunca estarei.
Tenho a honra de cumprimentá-la.

Tinha de ser Flaubert para redigir quatro linhas de concisão a tal ponto lancinante. Não fosse ele, em 1852, quando o paixão ardia, o autor de uma carta à mesma Colet, em que confidenciava o sofrimento da busca pela expressão exata, pelo parágrafo perfeito, pela descrição plena de uma das cenas de Madame Bovary, que escrevia naquele ano: “Uma frase realmente boa em prosa deveria ser como um bom verso na poesia, alguma coisa que você não pode mudar, e igualmente rítmico e sonoro”.

Sem restringir-se ao literário, vê-se que, até mesmo no bilhete, o romancista não se descuidou do estilo. Ao avisar à amante que jamais estaria em casa, deixava clara, e de forma contundente, sua recusa em vê-la. Abria aí um abismo incontornável entre os dois, mas ainda achou que podia cavar mais, e, ao recorrer à expressão protocolar final, arrematou o bilhete com arrasadora polidez, provando o que já se sabe: em circunstâncias assim, a mais fina gentileza pode ser mais eloquente do que uma grosseria.

A afirmação de Piglia não deve ser lida ao pé da letra. É só ver a atitude de Villa-Lobos, que, antes de pender para o ridículo, foi até mesmo burocrático na carta com que terminou o casamento de 23 anos com a pianista Lucília Guimarães. Em meio à ausência de qualquer afeição, reivindica a glória de ter aberto caminhos para a carreira da mulher, e, ao final, com toque flaubertiano, pede que ela, “com calma e resignação”, veja que a situação não poderia terminar de outra maneira.

Outro que usou de total franqueza foi Dom Pedro I. Não precisou de qualquer sutileza – atributo que, de fato, nunca teve – quando, em maio de 1828, escreveu à marquesa de Santos, sua amante por sete anos, ordenando-lhe que deixasse a corte imediatamente para que ele pudesse dar continuidade ao contrato de casamento com a princesa bávara, nascida na Itália, Amélia de Leuchtemberg. Exigindo da marquesa obediência de súdita e, reforça, “principalmente serva”, o imperador, viúvo de dona Leopoldina havia dois anos, tinha pressa em cumprir cláusula do contrato nupcial que impunha a retirada da marquesa do Rio de Janeiro. O rompimento adquire, assim, caráter político, e o remetente não hesita em ameaçar a ex-companheira em tom de “derradeira solução”.

Enxotada, a marquesa não fez por menos: exigiu casas e terras, acreditando, talvez, que os bens lhe suavizariam a dor da rejeição antes de retirar-se para São Paulo, de onde viera. Décadas depois, em Paris, Louise Colet, furiosa, publicou Lui (Ele), em 1859, livro em que pretendeu atingir, em vão, naturalmente, a glória de Flaubert com a sua genial e insuperável Bovary, lançado dois anos antes.

Muito diferente foi a atitude da nossa Maysa Matarazzo, ao ser deixada pelo ator Carlos Alberto, com quem estava casada. Dignidade e inteligência não faltaram à musa da fossa na carta que escreveu ao ex-marido, incluída por Sérgio Rodrigues em Cartas brasileiras:

[…] a única coisa que me resta é fazer como os tolos infelizes, ou seja, emudecer, deixar que os meus olhos, que são a minha verdadeira boca, saibam, com a dignidade que só os cães têm, fazer do silêncio a minha forma de te acompanhar, de estar contigo nesta ida tua que eu não entendo, mas devo.

Pudessem as amantes renegadas se consolar com versos, encontrariam algum alento nos dois tercetos finais do “Soneto à moda de Camões”, de Sophya de Mello Breyner. Lê-se aí que é belo também o amor que não dura. E porque humano, é tão imperfeito na sua beleza quanto as flores que morrem e as ondas que se quebram:

[…]
Mas como és belo, amor, de não durares,
De ser tão breve e fundo o teu engano,
E de eu te possuir sem tu te dares.

Amor perfeito dado a um ser humano:
Também morre o florir de mil pomares
E se quebram as ondas no oceano.

“Pois!”, diriam os compatriotas da poeta.

Muito antes dela, o poeta romântico inglês Jonh Keats garantia: “A thing of beauty is a joy for ever“, que, na tradução de Augusto de Campos, ficou assim: “O que é belo há de ser eternamente uma alegria”.

Que seja.