Bahia, [15 de abril de] 1549
Ao padre mestre Simão,
A graça e amor de Nosso Senhor Jesus Cristo seja sempre em nosso favor. Amém.
Depois de ter escrito a vossa reverendíssima, posto que brevemente, segundo meus desejos, sucedeu não se partir a caravela, e deu-me lugar para fazer esta e tornar-lhe a encomendar as necessidades da terra e o aparelho que tem para se muitos converterem. E certo é muito necessário haver homens qui quærant Jesum Christum solum crucifixum.[1] Cá há clérigos, mas é a escória que de lá vem; omnes quærunt quæ sua sunt.[2] Não se devia consentir embarcar sacerdote sem ser sua vida muito aprovada, porque estes destroem quanto se edifica; sed mitte, Pater, filios tuos in Domino nutritos fratres meos, ut in omnem hanc terram exeat sonus eorum.[3]
Ontem, que foi domingo de Ramos, apresentei ao governador um para se batizar depois de doutrinado, o qual era o maior contrário que os cristãos até agora tiveram: recebeu com amor. Espero em Nosso Senhor de se fazer muito fruto. Também me contou pessoa fidedigna que as raízes de que cá se faz o pão, que são Thomé as deu, porque cá não tinham pão nenhum. E isto se sabe da fama que anda entre eles, quia patres eorum nuntiaverunt eis.[4] Estão daqui perto umas pisadas figuradas em uma rocha, que todos dizem serem suas. Como tivermos mais vagar, havemo-las de ir ver.
Estão estes negros[5] muito espantados de nossos ofícios divinos. Estão na igreja, sem ninguém lhes ensinar, mais devotos que os nossos cristãos. Finalmente perdem-se à míngua. Mitte igitur operarios quia jam satis alba est messis.[6]
O governador nos tem escolhido um bom vale para nós; parece-me que teremos água, e assim mo dizem todos. Aqui devíamos de fazer nosso valhacouto, e daqui combater todas as outras partes. Há cá muita necessidade de vigário-geral, para que ele com temor e nós com amor procedendo, se busque a glória do Senhor. O mais verá pelas cartas dos irmãos.
Vale semper in Domino, mi Pater, et benedic nos omnes in Christo Jesu.[7]
Manuel da Nóbrega. Cartas do Brasil: 1549-1560. Rio de Janeiro: Officina Industrial Graphica, 1931, pp. 77-78.
[1] N.S.: “que busquem Jesus Cristo apenas crucificado”.
[2] N.S.: “todos buscam tudo aquilo que é seu”.
[3] N.S.: “mas envia, Pai, teus filhos, meus irmãos, fortalecidos no Senhor, para que a voz deles cresça por toda a terra”.
[4] N.S.: “porque seus pais lhes anunciaram”.
[5] N.E.: Assim eram às vezes chamados os que mais tarde ficaram conhecidos, não menos propriamente, pelo nome de índios.
[6] N.S.: “Envia, portanto, operários, porque a colheita já é propícia o bastante”.
[7] N.S.: “Esteja sempre bem com o Senhor, meu Pai, e abençoa-nos todos em Jesus Cristo”.
![A primeira missa no Brasil, c. 1948, por Portinari. Têmpera sobre tela, 266 x 598 cm. Acervo Cândido Portinari](https://correio.ims.com.br/wp-content/uploads/2015/07/A-primeira-missa-no-Brasil_Portinari.jpg)
![A primeira missa no Brasil, 1860, por Victor Meirelles. Óleo sobre tela, 268 x 356 cm. Museu Nacional de Belas Artes](https://correio.ims.com.br/wp-content/uploads/2015/07/A-primeira-missa-no-Brasil_Victor_Meirelles.jpg)