Em 1885, o suíço Eugène Grasset (1841-1917) fez seu primeiro cartaz, quatorze anos depois de chegar a Paris. Até então, ele era mais conhecido por outros tipos de trabalho: projetos de móveis, ferragens, tecidos e joias, ilustrações para várias publicações, ornamentos tipográficos e uma produção pictórica de importância relativa. Não demorou muito para o público parisiense cair de amores pelos anúncios de Grasset, que misturavam a linha elegante do Art Nouveau, o colorido da publicidade e uma certa atmosfera nostálgica.

No cartaz intitulado Tintas L. Marquet, litografia em cores, de 1892, a protagonista da composição é uma jovem apoiada sobre uma harpa, cabelos ao vento, expressão contemplativa. Ela tem nas mãos uma pena e folhas de papel, pensa nas primeiras palavras da carta que está prestes a redigir. O conteúdo da missiva, bem como a identidade da remetente e do destinatário, são tão misteriosos quanto a lua que surge por trás das nuvens, ao fundo. A imagem parece dizer: veja que coisa linda é a troca de cartas, escrevê-las é quase místico! E para algo tão especial, leem-se, abaixo do tinteiro, em letras grandes: “Tinta L. Marquet”: “L’encre L. Marquet”, e, na base: “La meilleure de toutes les encres”…  “A melhor de todas as tintas”. Na integração de texto e imagem – sempre uma questão em cartazes –  o artista foi habilidoso: aproveitou a lateral da mesa como espaço para as letras, ao mesmo tempo decorativas e informativas.

Na Paris da segunda metade do século XIX, o cartaz alcançou o prestígio de gênero artístico. Joris-Karl Huysmans, autor de Às avessas, dizia preferir “qualquer pôster de cabaré ou circo às bugigangas e à água benta da Escola de Belas-Artes”. Muitos artistas da época, especialmente pintores, interessaram-se por esse produto das artes industriais. Temos, por exemplo, o cartaz de Manet para Les Chats de Champfleury, o de Vuillard para o aperitivo Bécane, o famoso Cabaret du chat noir de Steinlen ou ainda aqueles feitos por Toulouse-Lautrec. É o caminho escolhido também por Grasset: sem abandonar totalmente a pintura, ele se dedicou às artes aplicadas, no desejo de abolir as separações entre arte e artesanato.

A Revolução Industrial criou a economia liberal baseada na concorrência e na produção em larga escala. Na disputa pelos mercados, o cartaz comercial serviu como arma de propaganda. Para entrar no jogo produção-consumo, o público deveria ser estimulado por uma linguagem visual atraente. Além disso, a urbanização crescente concentrava a população em espaços reduzidos, como os cafés parisienses, ou nas vitrines, o que aumentava a eficácia da publicidade bem projetada e distribuída, de forma a atingir o máximo de transeuntes. O artista tinha agora que se preocupar com as condições necessárias à boa legibilidade do cartaz. Grasset dizia:

É necessário que uma espécie de convenção intervenha para separar o essencial do acessório por causa da visão à distância e pelo fato de que o olho do espectador é muito indiferente aos refinamentos do artista. Isso não é sempre uma simplificação, é com frequência uma acentuação e mesmo um enriquecimento.

O cartaz comercial não era o único. Na mesma época, florescia o cartaz cultural, que anunciava o fascículo especial de alguma revista ou a publicação do mais recente romance do autor em voga. A relação entre cartaz e livro refletia-se ainda no fato de que, muitas vezes, o mesmo artista fazia  o cartaz e as ilustrações de determinado livro.

Outro ponto fundamental foi o aperfeiçoamento técnico nas artes gráficas. A invenção da litografia a cores (ou cromolitografia) em meados do século impulsionou a propaganda. O tamanho dos cartazes também cresceu, aproveitando as novas prensas, maiores e mais rápidas.

Na veiculação da mensagem publicitária, Grasset adotou um padrão de representação da mulher: ênfase no contorno da boca e dos olhos de pálpebras pesadas, pele clara, olhar distante, cabelos esvoaçantes, muitas vezes ruivos, que servem de pretexto para a linha passear em cachos e arabescos. Ao mesmo tempo, a estratégia de Grasset nos cartazes é sugestiva: para promover um produto ou divulgar uma peça de teatro, ele explora um tipo feminino delicado que evoca a figura da Musa. O cartaz Tinta L. Marquet, que mede 121.8 x 80.8 cm e tem fins comerciais, parece acolher também um significado espiritual ou intelectual: a escritora pensativa poderia ser a Musa das Letras ou da Poesia.

A simplificação dos traços e as cores chapadas em Tintas L. Marquet revelam ainda a influência do Japão na arte europeia da época. No post de Cartas na Pintura dedicado a Utamaro, vimos que uma das características da gravura japonesa, particularmente da escola Ukiyo-e, é basear a composição sobre um motivo principal, traçado nitidamente e preenchido com generosas áreas de cor, com quase nenhum sombreamento. Tanto nos cartazes do artista suíço quanto nas estampas japonesas, a posição central é frequentemente ocupada por uma figura feminina.

Grasset foi excelente ao longo de toda a sua carreira de cartazista: ilustrou com maestria as qualidades de uma marca de bicicleta ou de tinta, exaltou as virtudes de pastilhas contra tosse, elogiou as delícias do chocolate mexicano. E, de quebra, legou-nos um conjunto de imagens que estão entre as mais encantadoras do Art Nouveau.


Mais:

Cartas na pintura (1): sobre Moça lendo uma carta à janela, de Vermeer
Cartas na pintura (2): sobre Senhora escrevendo uma carta e sua criada, de Vermeer
Cartas na pintura (3): sobre Cartas de parentes no Norte falavam da vida melhor de lá, de Jacob Lawrence
Cartas na pintura (4): sobre Séverine, de Louis Welden Hawkins
Cartas na pintura (5): sobre O mercador Georg Gisze, de Hans Holbein, o Jovem
Cartas na pintura (6): sobre Quarto de hotel, de Edward Hopper
Cartas na pintura (7): sobre Vênus, de Mikhail Larionov
Cartas na pintura (8): sobre Betsabé, de Robert Boyvin
Cartas na pintura (9): sobre As jovens, de Francisco de Goya
Cartas na pintura (10)
: sobre Doente, de Gabriele Münter
Cartas na pintura (11): sobre Cartas de amor, de Jean-Honoré Fragonard
Cartas na pintura (12): sobre A morte de Marat, de Jacques-Louis David
Cartas na pintura (13): sobre Más notícias, de Rodolfo Amoedo
Cartas na pintura (14): sobre série de retratos de um carteiro, de Vincent van Gogh
Cartas na pintura (15):  sobre A cortesã Hanazuma lendo uma carta, de Kitagawa Utamaro
Cartas na pintura (16): sobre A carta, de Fernando Botero