Quarto de hotel é uma metáfora evocativa da solidão, um dos temas favoritos do americano Edward Hopper. Uma mulher está sentada na borda da cama de um quarto de hotel, e parece cansada – tirou o chapéu, o vestido e os sapatos, mas prefere deixar para desfazer as malas depois. Absorta em seus pensamentos, lê a carta amarelada que tem nas mãos, com a introspecção característica das figuras femininas de Hopper.

À primeira vista, podemos achar que é dia, pois o quarto está intensamente iluminado. Vemos as sombras bem definidas, e as cores são brilhantes. No entanto, quando olhamos para o fundo da imagem, a janela com a persiana semiaberta nos mostra que lá fora faz uma noite de escuridão cerrada.

A aparência melancólica e ao mesmo tempo serena da figura feminina tem contrapartida na austeridade do quarto, representado como ambiente despersonalizado. Ele é iluminado por uma fonte artificial que vem de cima, sem ser vista, criando forte contraste de luz e sombra, que Hopper acentua a fim de aumentar a força dramática da cena.

O espaço é construído a partir de algumas linhas verticais (o batente da janela, a parede e a cômoda em primeiro plano) e horizontais (o parapeito e a persiana, o tampo da cômoda), que delimitam grandes planos de cor. Essas linhas são contrabalançadas pela poderosa diagonal da cama, que Hopper usa para desviar nosso olhar da moça para o fundo, para a janela entreaberta, que fornece o ponto de fuga da composição.

Hopper nasceu em 1882, em Nyack, uma cidade situada na margem oeste do rio Hudson, no estado de Nova York. Sua família pertencia à classe média norte-americana e sempre incentivou as habilidades artísticas do jovem Edward. Depois de estudar na New York School of Art e trabalhar como ilustrador por um curto período, ele fez três viagens ao exterior: primeiro à Paris e a vários locais em toda a Europa (1906-7), uma segunda viagem à Paris (1909), e uma breve visita à Paris e à Espanha no ano seguinte (1910). Ele demonstrava pouco interesse pelos desenvolvimentos da arte de vanguarda vindos do Fauvismo e do Cubismo, mas criou um vínculo duradouro com o trabalho de Edgar Degas e Édouard Manet, cujos esquemas compositivos e representações da vida urbana moderna iriam influenciá-lo pelos próximos anos. (Em Quarto de hotel, o ângulo a partir do qual a figura é retratada, fazendo com que seus pés fiquem fora do plano do quadro, e a perspectiva de baixo para cima recordam certas composições de Degas.)

Em 1923, quando ainda era um jovem pintor em busca de reconhecimento, Hopper se casa com a artista Josephine Verstille Nivison, que tinha sido sua colega em aulas de pintura. Jo, como Hopper a chamava, se tornaria figura indispensável na arte do marido: ela posou para quase todas as figuras femininas (incluindo a mulher de Quarto de hotel) e auxiliava na organização dos suportes e materiais das sessões de estúdio. Jo também encorajou Hopper a trabalhar mais com pintura em aquarela e manteve registros meticulosos de suas obras concluídas, exposições e vendas.

Quarto de hotel é a primeira de uma longa série de pinturas a óleo ambientadas em hotéis, sem dúvida inspiradas no fascínio do artista por viagens. No ensaio The pleasures of sadness (Os prazeres da tristeza), em que comenta a obra de Hopper, o escritor Alain de Botton observa que “hotéis oferecem uma oportunidade para escaparmos de nossos hábitos mentais, e não causa surpresa Hopper pintá-los repetidamente – Quarto de hotel (1931), Saguão de hotel (1943), Quartos para turistas (1945), Hotel perto de uma estrada de ferro (1952), Janela de hotel (1955) e Motel Western (1957)”.

A solidão de interiores vazios com janelas abertas, aludindo a sentimentos de frustração, era comum na literatura romântica, da qual Hopper gostava muito. Há também precedentes das representações de ambientes internos na pintura holandesa do século XVII, em particular o trabalho de Vermeer de Delft, artista de quem inevitavelmente nos recordamos quando vemos algumas pinturas de Hopper, com mulheres introspectivas à beira da janela. Para Alain de Botton, “Edward Hopper pertence a uma certa categoria de artista cujo trabalho parece triste, porém não nos deixa tristes – o equivalente pictórico de Bach ou Leonard Cohen. A solidão é o tema dominante em sua arte. Suas figuras parecem estar longe de casa. Elas leem uma carta ao lado de uma cama de hotel ou bebem em um bar. Olham pela janela de um trem em movimento ou leem um livro em um saguão de hotel. Seus rostos são vulneráveis e introspectivos. Quem sabe acabaram de abandonar alguém, ou foram abandonadas. Estão em busca de trabalho, sexo ou companhia, à deriva em lugares provisórios.”

Contudo – segue Alain de Botton –, “apesar da desolação que as pinturas de Hopper representam, elas próprias não são sombrias ao olhar – talvez porque permitam que nós, enquanto espectadores, presenciemos um eco de nossos próprios desenganos e mágoas e, assim, possamos nos sentir menos pessoalmente perseguidos e assediados por eles. São os livros tristes que mais nos consolam quando estamos tristes”.

A popularidade da obra de Hopper é duradoura e, no ano de sua morte, 1967, ele continuava exercendo grande influência para uma nova geração de artistas realistas americanos. Mesmo durante uma época de prosperidade e otimismo, a arte de Hopper sugeria que homens e mulheres ainda podiam sofrer uma poderosa sensação de isolamento na América do pós-guerra.

Mais:

Cartas na pintura (1): sobre Moça lendo uma carta à janela, de Vermeer
Cartas na pintura (2): sobre Senhora escrevendo uma carta e sua criada, de Vermeer
Cartas na pintura (3): sobre Cartas de parentes no Norte falavam da vida melhor de lá, de Jacob Lawrence
Cartas na pintura (4): sobre Séverine, de Louis Welden Hawkins
Cartas na pintura (5): sobre O mercador Georg Gisze, de Hans Holbein, o Jovem
Cartas na pintura (7): sobre Vênus, de Mikhail Larionov
Cartas na pintura (8): sobre Betsabé, de Robert Boyvin
Cartas na pintura (9): sobre As jovens, de Francisco de Goya
Cartas na pintura (10)
: sobre Doente, de Gabriele Münter
Cartas na pintura (11): sobre Cartas de amor, de Jean-Honoré Fragonard
Cartas na pintura (12): sobre A morte de Marat, de Jacques-Louis David
Cartas na pintura (13): sobre Más notícias, de Rodolfo Amoedo
Cartas na pintura (14): sobre série de retratos de um carteiro, de Vincent van Gogh
Cartas na pintura (15):  sobre A cortesã Hanazuma lendo uma carta, de Kitagawa Utamaro
Cartas na pintura (16): sobre A carta, de Fernando Botero
Cartas na pintura (17): sobre Tinta L. Marquet, de Eugène Grasset