Kitagawa Utamaro (ca.1754-1806) foi um dos artistas mais importantes da popular escola artística japonesa chamada Ukiyo-e, nome que poderia ser traduzido como “imagens do mundo flutuante”. O termo, originário do período Edo (1605-1868), designava gravuras e pinturas que, na maioria das vezes, mostravam pessoas comuns em afazeres cotidianos. Utamaro tornou-se o principal artistas a retratar Yoshiwara, o distrito de Edo (atual Tóquio) onde se localizavam os bordéis e a prostituição era legalizada. Assim, o nome de Utamaro evoca gravuras feitas com virtuosismo, mostrando cortesãs com penteados sofisticados, vestidas com tecidos suavemente coloridos.

Um exemplo é a xilogravura sobre papel A cortesã Hanazuma lendo uma carta, feita na década de 1790 e pertencente à série Beldades comparadas a flores. Nesta xilo vê-se  uma das mulheres do bordel Hyōgoya, que, com ambas as mãos, traz o papel para perto dos olhos. No canto superior esquerdo vê-se a peônia branca dentro de um círculo, tão bela e delicada quanto a moça retratada. Utamaro retomou o tema em outras imagens, como Jovem mulher lendo uma carta, Mulher lendo uma carta sob lampião e A dama Tomimoto Toyohina lendo uma carta.

A prostituição no Japão do século XVIII, pelo menos aquela que acontecia em Yoshiwara, era bem diferente da ideia ocidental de prostituição que se tem hoje em dia. A educação das cortesãs era a mais completa, tão boa quanto a de mulheres da nobreza: eram ensinadas a ler e escrever, aprendiam artes, música, rituais de chá e de perfume. De acordo com rigoroso ritual a que deviam obedecer, não poderiam ficar a sós com um homem antes do terceiro encontro.

Além de Utamaro, os artistas Suzuki Harunobu, Torii Kiyonaga, Katsushika Hokusai (autor da célebre gravura A onda) e Utagawa Hiroshige  foram nomes importantes do Ukiyo-e. Eles representavam a vanguarda de uma arte que inovava ao olhar o Japão pela lente do popular e do cotidiano, diferente da tradicional escola Kanō, que dominava a arte japonesa havia séculos e dava preferência a paisagens míticas e à representação da aristocracia, misturando influências da pintura chinesa e da filosofia Zen.

As gravuras do Ukiyo-e eram feitas em vários formatos e lidavam com ampla gama de temas. Além dos retratos de cortesãs,  as imagens de Utamaro tinham como  tema cenas românticas ambientadas em meio à natureza, encontros de amantes, ou cenas eróticas do Yoshiwara. Ele também produziu estudos de natureza, particularmente livros ilustrados sobre insetos. Mas os retratos femininos são sem dúvida os mais marcantes, pela beleza sensual e vívida das figuras. Nessas gravuras, o artista constrói um ideal de feminilidade: mulheres magras e alongadas, de traços finos e de maneiras discretas.

Utamaro beneficiou-se do progresso editorial daquela segunda metade do século XVIII, especialmente em Edo, residência dos xóguns Tokugawa, em Osaka, importante centro comercial, ou em Kyoto, a capital imperial. Os editores daquele período  competiam entre si para encontrar formas engenhosas de satisfazer a crescente demanda de um público ansioso por histórias ilustradas, românticas ou humorísticas. Esse público incluía não só as classes mais baixas, cuja taxa de alfabetização era alta (devido às Terakoya, “templos-escola”, instituições educacionais que alfabetizavam as crianças dos plebeus japoneses durante o período Edo), mas também guerreiros com boa formação ou comerciantes que procuravam entretenimento inteligente, bom humor ou apenas belos livros ilustrados.

Livreiros e editores estavam sempre atentos a um talentoso artista do Ukiyo-e, que poderia garantir-lhes uma tiragem bem-sucedida. Além do crescimento comercial, a década de 1790 foi decisiva no desenvolvimento técnico do Ukiyo-e: a impressão a cores foi aperfeiçoada, permitindo impressões sucessivas na mesma página usando vários blocos, cada um com uma cor (as xilogravuras multicolores impressas em papel grosso são denominadas nishiki-e).

Sobre a vida de Utamaro, sabe-se, por exemplo, que seu nome original era Ichitaro Kitagawa, e que nasceu em meados do século XVIII, provavelmente em 1753. A cidade natal é incerta: talvez Edo ou outro local na província de Musashi. Enquanto era vivo, Utamaro teve vários imitadores, e outros surgiriam depois de sua morte. É possível que parte desses imitadores tenham sido treinados pelo próprio artista.

Mais:

Cartas na pintura (1): sobre Moça lendo uma carta à janela, de Vermeer
Cartas na pintura (2): sobre Senhora escrevendo uma carta e sua criada, de Vermeer
Cartas na pintura (3): sobre Cartas de parentes no Norte falavam da vida melhor de lá, de Jacob Lawrence
Cartas na pintura (4): sobre Séverine, de Louis Welden Hawkins
Cartas na pintura (5): sobre O mercador Georg Gisze, de Hans Holbein, o Jovem
Cartas na pintura (6): sobre Quarto de hotel, de Edward Hopper
Cartas na pintura (7): sobre Vênus, de Mikhail Larionov
Cartas na pintura (8): sobre Betsabé, de Robert Boyvin
Cartas na pintura (9): sobre As jovens, de Francisco de Goya
Cartas na pintura (10)
: sobre Doente, de Gabriele Münter
Cartas na pintura (11): sobre Cartas de amor, de Jean-Honoré Fragonard
Cartas na pintura (12): sobre A morte de Marat, de Jacques-Louis David
Cartas na pintura (13): sobre Más notícias, de Rodolfo Amoedo
Cartas na pintura (14): sobre série de retratos de um carteiro, de Vincent van Gogh
Cartas na pintura (16): sobre A carta, de Fernando Botero
Cartas na pintura (17): sobre Tinta L. Marquet, de Eugène Grasset